Por Renato Lopes Brecho
O ano não começou bem para os contribuintes. E não foi por conta do IPVA, que todos já esperavam, mas por uma mudança que afetará a muitos. No afã de aumentar a arrecadação federal a qualquer custo, o governo promoveu e o Congresso aprovou a Lei 13.606, de 09 de janeiro, cujo principal objetivo era conceder parcelamento de débitos rurais. Mas foi incluído um artigo de muito maior repercussão, ao autorizar a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a bloquear bens de quem conste como devedor do Fisco.
Assim, no próximo ano, quando pessoas físicas e jurídicas forem licenciar seus veículos, poderão ser surpreendidas – e impedidas de fazê-lo – ao saber que estão bloqueados. Não será diferente com imóveis, ações e tudo que estiver sujeito a registro. A única boa notícia é que a PGFN não conseguiu, ainda, o bloqueio de contas bancárias.
O que muda para os contribuintes? Em poucas palavras, muda o momento da penhora, a maneira de informá-los, o acesso à autoridade que determinou o bloqueio e o recurso cabível. Ele será surpreendido e terá muita dificuldade em recorrer, ainda que o bloqueio seja indevido, pois a PGFN não costuma aceitar nem prescrição, sendo que ela possui cinco anos para reconhecer pagamento em programa da parcelamento…
Hoje, as penhoras são feitas pelo Judiciário. Mas, para isso, os advogados fiscais têm que ajuizar uma execução, a ser distribuída a um juiz, que determina a citação do contribuinte, que será, sucessivamente, por carta registrada, por oficial de justiça ou por edital. Pela nova lei, bastará o envio de um e-mail ou uma carta, que se presumirá recebida em 15 dias. Se o contribuinte estiver em férias, não terá a chance de fazer nada e terá seus bens bloqueados.
Hoje, o advogado do contribuinte tem o direito de ser atendido pelo juiz que determinou o bloqueio. Como os procuradores não recebem nem advogado, o contribuinte não terá como se defender diretamente a quem bloqueou seus bens. Pela regra geral, a defesa tem 30 dias para apresentar os embargos ao juiz que determinou a penhora. Não se sabe, com a penhora administrativa, qual será o prazo para defesa, qual tipo de ação e para qual juiz se deverá recorrer. Outra omissão importante é o prazo para a Fazenda entrar com a execução fiscal. Se ela demorar cinco anos, o contribuinte permanecerá com seu patrimônio bloqueado. Tais lacunas podem desafiar o princípio constitucional do devido processo legal, atraindo a atenção do Supremo Tribunal Federal (STF).
A nova lei não é transparente, pois incluiu a novidade em outra lei que não trata do mesmo assunto. Deveria ter sido uma lei própria, que alterasse claramente a Lei das Execuções Fiscais. E deixou diversas dúvidas que se transformarão, rapidamente, em novas ações judiciais, de resultados imprevisíveis. A lei não é democrática, pois não foi discutida com a sociedade.
O Congresso poderia ter votado ao menos um de três projetos em discussão sobre o assunto (PLs 2412/2007, 5080/2009 e 7630/2017). A norma fere a igualdade e o pacto federativo, pois outros advogados públicos (da União, de conselhos profissionais, procuradores estaduais e municipais) não receberam a mesma atribuição. Nesse quesito, o Congresso optou por seguir o exemplo da Ditadura Militar, que aceitou benesses incluídas no Decreto-Lei nº 1.025/69 só direcionadas para a mesma PGFN.
A lei tem um aspecto positivo: a PGFN só deve ajuizar a execução quando o devedor tiver bens penhoráveis. Com isso, reduzirá o acervo de novas execuções inúteis, diminuindo a sobrecarga do Judiciário. Todavia, as lacunas mencionadas podem inviabilizar o lado positivo se os contribuintes não souberem claramente a quem, como e quando recorrer, bem como se ficarem indefinidamente com bens bloqueados sem o ajuizamento da execução.
Assim, se os advogados tiverem que defendê-los via mandado de segurança, ação anulatória ou declaratória, p. ex., e a PGFN ajuizar a execução, eles ainda terão que manejar os embargos à execução. A solução pode ser o Judiciário aceitar os embargos desde logo, a serem apresentados ao juiz das execuções, assim como ocorre, atualmente, com as cautelares inominadas visando justamente antecipar a penhora. Isso evitará a sobreposição de ações sobre o mesmo fato. Como a ciência do contribuinte é, na nova lei, ficta, seu prazo deve ir da penhora até 30 dias após a citação judicial.
É necessário, também, que o contribuinte ou seu representante tenha o direito de despachar diretamente com o procurador que assinou o bloqueio, assim como é direito do advogado despachar com o juiz do processo. A PGFN pode garantir esse deve ao regulamentar a lei, efetivando o acesso a seus membros, no horário normal de expediente, o que não ocorre atualmente. Também deve estabelecer um prazo para que a execução seja distribuída, sob pena de suspensão do bloqueio. Parece-nos que 30 dias seja o tempo adequado.
Obviamente, há que se garantir que, com a penhora administrativa, o contribuinte tenha o direito a uma certidão positiva com efeito de negativa, com a retirada de seu nome do Cadin. Afinal, seu patrimônio já estará garantindo o crédito tributário, que tem que ser considerado suspenso.
Espera-se que a PGFN esteja à altura das novas atribuições que requereu e conquistou, melhorando – e não regredindo – o Estado de Direito.
Fonte: Jornal Valor Econômico