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RERE – Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas no sistema jurídico português.

O presente estudo tem como objetivo analisar o Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE), criado pela Lei nº 8/2018, de 2 de março, existente em Portugal.

I. Introdução
Cumpre mencionar que o RERE é um mecanismo legal que tem o intuito de proporcional às empresas em dificuldades uma oportunidade de reabilitação, por meio de negociações extrajudiciais com seus credores.
É um procedimento extrajudicial, voluntário e confidencial, tendo como objetivo facilitar negociações com os credores para aprovação de um acordo de reestruturação, permitindo que a empresa continue suas atividades econômicas e evite a falência.
Contudo, cabe mencionar que, conforme será detalhado mais adiante, o RERE é aplicável a empresas que se encontrem em situação económica difícil ou em iminente situação de insolvência, mas que sejam consideradas viáveis. Essa viabilidade deve ser atestada por um relatório de um contabilista certificado ou de um revisor oficial de contas, indicando que a empresa tem condições de cumprir as suas obrigações futuras após a reestruturação.
Assim, neste relatório, serão abordados a seguir os principais pontos discutidos durante a aula, com base nas informações compartilhadas pelo professor e nas contribuições dos participantes. Serão explorados os conceitos-chave relacionados ao RERE, assim como as implicações práticas e os desafios enfrentados na sua implementação. Por meio da análise desses elementos, busca-se compreender a relevância do RERE no contexto econômico e empresarial português, bem como suas contribuições para a preservação das atividades empresariais e a promoção da estabilidade financeira.

II. Do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE)
a. Da extinção do SIREVE
O SIREVE (Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial) foi um sistema criado que permitia a recuperação extrajudicial de empresas em dificuldades financeiras. Foi criado pela Lei nº 16/2012, de 20 de abril, tendo sido substituído pelo Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE) em 2018.
O SIREVE proporcionava uma estrutura legal para a negociação entre a empresa e seus credores, visando alcançar um acordo de reestruturação, sendo que tais negociações eram facilitadas por um administrador judicial nomeado pelo Tribunal, que atuava como mediador entre as partes.
O objetivo principal do SIREVE era evitar a insolvência e a falência das empresas por meio de um processo extrajudicial, oferecendo uma alternativa mais ágil e flexível em comparação aos procedimentos judiciais tradicionais. O sistema permitia que as empresas em dificuldades financeiras apresentassem um plano de recuperação aos seus credores, buscando a renegociação de dívidas e outras medidas que possibilitassem a sua reabilitação econômica, tendo sido uma importante medida para promover a recuperação de empresas em Portugal. No entanto, com a entrada em vigor do RERE em 2018, o SIREVE foi substituído por um novo sistema que trouxe aprimoramentos e atualizações para a recuperação extrajudicial de empresas em dificuldades financeiras, conforme será mais bem abordado.

b. Da criação do RERE e seus objetivos
Como dito, o RERE foi criado pela Lei nº 8/2018, de 2 de março, com o objetivo de estabelecer as regras e os efeitos das negociações e do acordo de reestruturação alcançado entre um devedor e um ou mais credores, desde que todas as partes expressem de forma unânime e explícita a vontade de submeter as negociações ou o acordo de reestruturação.
O acordo de reestruturação permite a modificação da composição, condições ou estrutura dos ativos ou passivos de um devedor, bem como outras partes da estrutura de capital, incluindo o capital social, ou uma combinação desses elementos. Isso inclui a venda de ativos ou partes da atividade, com o objetivo de garantir a sobrevivência total ou parcial da empresa, nos termos do artigo 2º da referida Lei .
Contrariamente ao Processo Especial de Revitalização (PER), que se destina especificamente a empresas, o RERE tem como destinatários os mesmos envolvidos no processo de insolvência, com exceção de pessoas singulares que não possuam uma empresa.
Assim, o RERE representa um procedimento alternativo aos previstos no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), baseado na negociação extrajudicial, com o objetivo de melhorar as condições de funcionamento da empresa e garantir a continuidade de suas atividades.

c. A quem se destina o RERE – Devedores e Credores
Conforme denota-se do artigo terceiro da Lei nº 8/2018, de 2 de março, o RERE se destina às negociações e acordos de reestruturação que envolvam atividades devedoras que cumulativamente estejam:
 Descritas nas alíneas “a” à “h” do artigo 2º do Código de Insolvência, quais seja: a. Quaisquer pessoas singulares ou coletivas; b. A herança jacente; c. As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais; d. As sociedades civis; e. As sociedades comerciais e as sociedades civis sob a forma comercial até a data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem; f. As cooperativas, antes do registo de sua constituição; g. O estabelecimento individual de responsabilidade limitada; h. Quaisquer patrimônios autónomos; e
 Em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente.
Dessa forma, em resumo, o RERE destina-se a empresas e outras pessoas coletivas viáveis que estão enfrentando dificuldades financeiras e buscam uma solução extrajudicial para reestruturar suas dívidas e recuperar sua situação econômica.
Uma empresa em situação económica difícil é aquela que enfrenta dificuldades em cumprir pontualmente suas obrigações devido à falta de liquidez ou acesso a crédito. Por outro lado, empresas em situação de insolvência são aquelas que preveem que não conseguirão cumprir suas obrigações futuras.
Em outras palavras, uma empresa em situação económica difícil está passando por dificuldades financeiras imediatas, o que afeta sua capacidade de pagar suas dívidas existentes. Essas dificuldades podem ser causadas por falta de capital de giro, problemas de fluxo de caixa ou dificuldades em obter financiamento.
Por outro lado, uma empresa em situação de insolvência prevê que não será capaz de cumprir suas obrigações futuras, indicando uma situação financeira insustentável no longo prazo. Essa previsão de insolvência é baseada em uma análise das perspectivas financeiras da empresa, considerando suas obrigações futuras e a capacidade de gerar receitas suficientes para cobri-las.
Em resumo, uma empresa em situação económica difícil enfrenta dificuldades imediatas para cumprir suas obrigações, enquanto uma empresa em situação de insolvência prevê a impossibilidade de cumprir suas obrigações futuras, sinalizando uma condição financeira insustentável.
Deve-se mencionar, entretanto, que apesar da previsão constante na alínea “a” em que menciona “pessoas singulares”, deve-se ressaltar que o artigo terceiro excluí a possibilidade de RERE às pessoas singulares que não sejam titulares de empresa, conforme definição trazida pelo artigo 5º do Código de Insolvência , sendo também vedado o acesso à RERE as entidades previstas no item “2” do artigo 2º do Código de Insolvência .
Por sua vez, os credores sujeitos ao procedimento de RERE do devedor, são os credores de créditos de natureza patrimonial, vencidos e vincendos e sob condição , qualquer que seja a sua nacionalidade ou domicílio. Deve-se mencionar que as obrigações dos credores dependem das circunstâncias específicas de cada RERE e das negociações em andamento, sendo que sua principal obrigação é a busca – junto da empresa devedora – de uma solução equilibrada que permita a recuperação da empresa devedora e ao mesmo tempo proteja os interesses dos credores envolvidos.
Por fim, deve-se lembrar, que as partes são LIVRES para se sujeitar ao RERE e aos efeitos do acordo de reestruturação, podendo o devedor convocar todos ou apenas um dos seus credores, sendo que, enquanto perdurarem as negociações qualquer credor do devedor pode, a todo tempo, aderir ao protocolo de negociação, sendo admitidas, tão somente, as adesões integrais.

d. Do procedimento inicial de RERE

O procedimento de RERE se inicia com a devedora escolhendo os credores que considera essenciais para alcançar o acordo de reestruturação e iniciar o processo de negociação, representando, pelo menos, 15% do seu passivo.
Isso significa que a empresa devedora deve identificar os credores cuja participação é crucial para o sucesso das negociações e cujo envolvimento é considerado fundamental para alcançar um acordo de reestruturação viável. Esses credores selecionados devem ser externos à empresa devedora, o que implica que não devem ter nenhum vínculo direto com ela, como serem sócios, administradores ou relacionados de alguma forma.
Além disso, para serem considerados credores relevantes para o processo de reestruturação, sua representatividade no passivo da empresa devedora deve atingir pelo menos 15%. Essa exigência visa garantir que os credores selecionados tenham uma participação significativa no montante total das dívidas da empresa e, assim, tenham interesse legítimo na negociação e na busca de soluções para a recuperação da empresa.
Munidos de tal levantamento e com a adesão à negociação do percentual mínimo de credores, as partes devem assinar um protocolo de negociação e promover o seu depósito junto à Conservatória do Registro Comercial.
Importante salientar que para que haja a verificação da possibilidade de reestruturação e, também, de ter sido alcançado o percentual mínimo previsto em lei, junto ao protocolo inicial, deverá ser anexado uma declaração de um contabilista certificado ou revisor oficial de contas emitida há 30 dias ou menos da data do protocolo.
Assim, com a assinatura do protocolo de negociação e devido depósito, inicia-se o processo negocial, quando, a qualquer momento outros credores podem aderir, que não deve durar – contadas as prorrogações – mais de 3 meses.
Apesar da negociação ser livre e voluntária, podendo o conteúdo do protocolo ser estabelecido livremente entre as partes interessadas (adesão voluntária), deve-se mencionar que existem elementos obrigatórios ao protocolo, senão vejamos:
 Identificação completa dos devedores, dos credores participantes, dos representantes do devedor e representante dos credores;
 Prazo máximo acordado para as negociações, lembrando o prazo máximo de 3 meses;
 Passivo total do devedor, apurado de acordo com o disposto no nº4 do artigo 3º ;
 Responsabilidade pelos custos inerentes ao processo negocial, incluindo o custo com a assessoria técnica, financeira e legal, e modo de repartição deles;
 Compromisso pelos credores de, durante o prazo de negociação, não iniciar processos judiciais executivos, processos judiciais que restrinjam a capacidade do devedor de dispor livremente de seus bens ou direitos, e processos relacionados à declaração de insolvência do devedor; e
 Data e assinaturas reconhecidas;
Além disso, também é esperada a juntada de documentos essenciais para viabilização do procedimento, vejamos:
 Certidão do registo comercial do devedor ou código de acesso à respetiva certidão eletrónica e estatutos;
 Documentos de prestação de contas do devedor relativos aos três últimos exercícios;
 Declaração do devedor a indicar o detalhe do seu passivo, apurado de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 3.º , designadamente, nome de todos os credores, proveniência, montante e natureza dos créditos, e garantias associadas;
 Lista de todos os processos judiciais e arbitrais nos quais o devedor seja parte;
 Justificação para a não apresentação de algum destes documentos, se não forem apresentados com o protocolo de negociação.
Após o protocolo da negociação ele apenas pode ser alterado através do instrumento de “protocolo de alteração” e requer o consentimento expresso de todas as partes aderentes, tanto as inicialmente subscritoras quanto as que aderiram posteriormente.
As negociações e o conteúdo do protocolo de negociação são, em princípio, confidenciais, a menos que todas as partes envolvidas concordem em torná-los públicos. No entanto, a confidencialidade pode ser suspensa em situações específicas, como a necessidade de suspender processos judiciais e realizar execuções judiciais da obrigação. É importante ressaltar que o depósito do protocolo de negociação não compromete a confidencialidade do seu conteúdo. Além disso, o protocolo de negociação pode permitir expressamente que a Conservatória do Registo Comercial faça um anúncio público sobre o início das negociações, identificando as partes envolvidas. No entanto, mesmo com a confidencialidade, as partes envolvidas no acordo de reestruturação têm o direito de obter cópias dos documentos arquivados na Conservatória do Registo Comercial, e a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pode ter acesso a esses documentos para fins de verificação dos requisitos necessários.
É obrigatório informar a segurança social, a AT e os trabalhadores que possuam créditos sobre o devedor sobre o depósito do protocolo de negociação e seu conteúdo. O não cumprimento dessa obrigação acarreta a nulidade do protocolo de negociação e de todos os atos relacionados a ele. Assim, a transparência e a confidencialidade adequadas são garantidas no processo de negociação, permitindo a proteção dos interesses das partes envolvidas e a condução efetiva das negociações para a recuperação da empresa em dificuldades financeiras.

e. Efeitos do protocolo de negociação
Como dito, o RERE desponta como um instrumento de grande relevância para as empresas em crise, apresentando um arcabouço de mecanismos com o objetivo de viabilizar a renegociação de dívidas e a recuperação empresarial.
Nesse sentido, após o protocolo, a Lei estabelece diversos efeitos do protocolo de negociação, consistente em obrigações do devedor, credores, fornecedores essenciais, insolvência, etc.
Ao compreender os efeitos do RERE, teremos uma visão abrangente das soluções oferecidas por esse mecanismo extrajudicial, contribuindo para uma análise crítica e aprofundada dos impactos e benefícios decorrentes da sua aplicação na recuperação de empresas em dificuldades financeiras, conforme será demonstrado.
Obrigações do devedor: Após o depósito do protocolo de negociação, o devedor deve manter o curso normal de seu negócio e abster-se de praticar atos de especial relevância, a menos que o protocolo ou todos os credores tenham previamente autorizado tais ações. Caso o devedor decida interromper as negociações, ele deve comunicar sua decisão aos credores que assinaram o protocolo e aos que aderiram posteriormente, além de requerer o depósito dessa comunicação na Conservatória do Registo Comercial.
Obrigações dos credores: Os credores, passam a estar vinculados aos compromissos assumidos no protocolo, salvo violação grosseira das obrigações por parte do devedor, que permite a resolução do protocolo. A obrigação de cumprir o protocolo é transferida para o adquirente do crédito, caso o crédito seja cedido durante o prazo estabelecido no protocolo. A comunicação do devedor mencionada no artigo anterior encerra a obrigação dos credores. No entanto, essa obrigação não se aplica ao acordo previsto na alínea e) do nº 1, do artigo 7.º .
Suspensão dos processos: A partir do protocolo, a participação ou adesão de um credor ao protocolo de negociação suspende imediatamente o processo de insolvência, caso este ainda não tenha sido declarado. Acordos celebrados de acordo com a presente lei extinguem automaticamente as ações executivas para pagamento de quantia certa contra a empresa e seus garantidores, mantendo suspensas as ações destinadas ao cumprimento de obrigações pecuniárias. Essas disposições não se aplicam a ações instauradas por credores que não tenham assinado o acordo. O conservador do registo comercial deve informar os tribunais dos processos judiciais pendentes identificados no protocolo de negociação.
Serviços essenciais: Os prestadores de serviços essenciais listados passam a ser proibidos de interromper o fornecimento de seus serviços por dívidas anteriores ao depósito. É importante ressaltar que essa restrição se aplica exclusivamente às dívidas contraídas antes do depósito do protocolo de negociação e permanece em vigor até o encerramento das negociações. Nesse sentido, a proibição dura no máximo três meses, a menos que seja acordado um prazo mais longo entre os prestadores de serviços e o protocolo de negociação. Caso o devedor não pague pelos serviços prestados após o depósito, a proibição cessa. O custo não pago pelo devedor constitui uma dívida caso o devedor seja declarado insolvente nos dois anos seguintes ao depósito. O devedor deve comunicar aos prestadores de serviços o depósito do protocolo.
Insolvência Superveniente: Se o devedor entrar em situação de insolvência após o depósito do protocolo de negociação, o prazo para o devedor se apresentar à insolvência só começa a contar após o encerramento das negociações. Nesse caso, não é permitida uma prorrogação.

f. A negociação
Após o protocolo de negociação, começam efetivamente as negociações junto aos credores, nos termos dos arts. 14 e 15 da Lei nº 8/2018, de 2 de março.
Nesse sentido, é concedida a possibilidade de ser nomeado um mediador de recuperação de empresas pelo devedor durante as negociações, enquanto aos credores é facultada a nomeação de um “credor líder” para atuar como um interlocutor preferencial com o devedor, assim como formar um comité de credores para assessorar o credor líder.
Ainda, a participação obrigatória de entidades como a segurança social, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), os trabalhadores e as organizações representativas dos trabalhadores nas negociações também são estabelecidos, mesmo que não subscrevam o protocolo de negociação.
Não só isso, durante o processo de negociação deve ser realizado um diagnostico económico-financeiro, claro e transparente da situação económico-financeira do devedor. Esse diagnóstico é essencial para que os credores possam conhecer os fundamentos em que se baseará o acordo de reestruturação. É facultado ao credor a opção de utilizar uma ferramenta de autodiagnóstico financeiro disponibilizada pelo IAPMEI.
Encerrada a fase de negociação, a partir do artigo 16 da Lei nº 8/2018, de 2 de março são estabelecidas as possibilidades de encerramento do RERE, que pode ocorrer: (i) com o depósito do acordo de reestruturação; (ii) com o depósito da declaração a que alude o nº 2 do art. 9º ; (iii) a expiração do prazo estabelecido no protocolo de negociação sem acordo ou ocorrência do prazo máximo de 3 meses; e (iv) se no curso do prazo das negociações, o devedor se apresentar à insolvência ou for declarado insolvente em processo de insolvência requerido por credor.
Cumpre salientar que o prazo das negociações pode ser prorrogado por acordo entre o devedor e os credores envolvidos, caso após o decurso do prazo inicial ainda sejam verificados pelo menos um dos pressupostos essenciais para ingresso da RERE, contudo, caso o devedor fique em situação de insolvência durante o prazo das negociações, esta não é suscetível à prorrogação.
Encerrada a fase de negociação, deve-se registar o encerramento junto à Conservatória do Registro Comercial, conforme o Processo Especial de Registo do RERE, com a indicação da causa do encerramento. Caso as negociações sejam públicas, a Conservatória do Registo Comercial faz a publicação sobre o termo das negociações e a existência ou não de acordo de reestruturação. Além disso, o encerramento das negociações deve ser comunicado eletronicamente aos processos judiciais e fornecedores de serviços essenciais.
Por fim, menciona-se que o art. 18 da Lei nº 8/2018, de 2 de março estabelece que o devedor não pode iniciar mais de um processo de negociação simultaneamente no âmbito do RERE. Após a conclusão das negociações, independentemente de ter sido alcançado um acordo de reestruturação, o devedor pode iniciar novas negociações, com os mesmos ou diferentes credores, desde que não viole os termos específicos de um acordo anteriormente alcançado através do RERE.

g. O acordo de reestruturação e seus efeitos
O acordo de reestruturação é, a princípio, confidencial, a menos que as partes acordem em contrário e deve ser celebrado por escrito, em um único documento, que deve ser integralmente aceito por todos os credores que decidem participar, contando com o termo de adesão e reconhecimento da assinatura de todos os subscritores.
Nesse sentido, a parte tem a total liberdade para decidir o conteúdo do acordo, que pode abranger diversos elementos, como a reestruturação da atividade econômica do devedor, seu passivo, estrutura legal, novos financiamentos e garantias. O acordo deve ser acompanhado de uma declaração emitida por um revisor oficial de contas, atestando a não situação de insolvência da empresa e certificando o passivo total do devedor. Também deve ser apresentada uma lista das ações judiciais em curso contra o devedor movidas por entidades envolvidas nas negociações.
Finalizado o acordo entre as partes, o documento final deve ser depositado eletronicamente na Conservatória do Registro Comercial, mediante requerimento do devedor ou de qualquer credor, sendo automaticamente comunicado à Autoridade Tributária.
Com o protocolo final, passam a ocorrer os efeitos da RERE, devendo ser citado que os efeitos são produzidos somente entre o devedor e os credores aderentes e possui apenas efeitos futuros, não podendo retroagir. Os principais efeitos da RERE são:
 Efeitos sobre garantias: Caso o acordo afete garantias preexistentes, o consentimento dos respetivos beneficiários deverá constar como anexo do acordo, sendo que a constituição de novas garantias e modificações às garantias prestadas pelo devedor ocorrem com a respetiva formalização segundo as regras que lhe sejam aplicáveis, sendo que os documentos relacionados às garantias devem ser anexados ao acordo;
 Efeitos processuais: O depósito do acordo leva à imediata extinção dos processos judiciais declarativos, executivos ou cautelares relacionados com créditos incluídos no acordo, bem como dos processos de insolvência, desde que não tenham sido declarados. Isso se aplica aos processos instaurados contra o devedor por entidades que sejam partes no acordo. Se vários processos foram instaurados por diferentes entidades, os efeitos processuais se aplicam apenas às entidades que são partes do acordo. Os processos judiciais de natureza laboral não são afetados por essa extinção. Após o depósito do acordo, o conservador do registo comercial comunica eletronicamente aos processos judiciais identificados na lista anexa ao acordo de reestruturação, informando-os sobre o depósito e seus efeitos;
 Efeitos societários: Eventuais modificações societárias previstas no acordo de reestruturação ocorrem com a formalização, nos termos das regras legais e estatutárias que lhes sejam aplicáveis;
 Efeitos fiscais: O acordo de reestruturação concede benefícios fiscais às partes, desde que envolva a reestruturação de pelo menos 30% do passivo não subordinado do devedor. No entanto, a Autoridade Tributária (AT) pode aceitar, mediante um pedido fundamentado de uma das partes subscritoras do acordo, que os efeitos fiscais se apliquem mesmo que a percentagem mencionada não seja alcançada. Para comprovar os requisitos, o acordo de reestruturação deve ser acompanhado de uma declaração emitida por um revisor oficial de contas. Os créditos considerados subordinados pelo CIRE requerem autorização específica da AT para beneficiar dos efeitos fiscais. Além disso, os acordos de reestruturação submetidos ao RERE, que cumpram os requisitos estabelecidos, são presumidos ter interesse econômico de acordo com o artigo 52.º do Código do IRC;
Sem prejuízo dos efeitos supracitados, caso o devedor seja posteriormente declarado insolvente, os negócios jurídicos que envolvam a disponibilização efetiva de novos créditos em dinheiro, incluindo pagamentos deferidos, e a constituição de garantias relacionadas a esses créditos não podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente. Isso se aplica se esses negócios jurídicos tiverem sido expressamente previstos no acordo de reestruturação ou no protocolo de negociação que o antecedeu, e se o acordo de reestruturação contiver a declaração exigida pelo artigo 27, nº3 . No entanto, a insusceptibilidade de resolução em benefício da massa insolvente é cancelada se o novo financiamento tiver sido utilizado pelo devedor em benefício da entidade financiadora ou de uma entidade relacionada, nos termos estabelecidos no artigo 49.º do CIRE.
Por fim, a lei traz a articulação entre o acordo de reestruturação e o Processo Especial de Revitalização (PER), que implica dizer que, se o acordo de reestruturação for assinado por credores que representem as maiorias exigidas no n.º 1 do artigo 17.º-I do CIRE ou se credores suficientes aderirem posteriormente a ele para atingir essa maioria, o devedor pode iniciar um PER com o objetivo de obter a homologação judicial do acordo de reestruturação. Nesse caso, o devedor deve garantir que o acordo cumpra os requisitos estabelecidos no n.º 4 do artigo 17.º-I do CIRE .

h. O incumprimento do acordo de reestruturação
O incumprimento do acordo ocorre quando uma das partes envolvidas no acordo de reestruturação não cumpre com as obrigações estabelecidas livremente entre as partes no mesmo. Esse descumprimento pode ocorrer por diversas razões, tais como a falta de pagamento de parcelas acordadas, a não implementação das medidas de reestruturação acordadas ou a violação de outras cláusulas contratuais.
Nesse sentido, a Lei estabelece que o incumprimento de alguma das obrigações previstas no acordo de reestruturação não determina a invalidade das demais obrigações dele decorrentes perante o mesmo ou outros credores, tampouco afeta a validade dos atos que tenham sido praticados durante sua execução.
Caso o próprio acordo não preveja as consequências do descumprimento, o nº 2 do artigo 30º da Lei 8/2018, de 2 de março, traz as seguintes regras: (i) O incumprimento por uma das partes permite que a parte afetada resolva o acordo de reestruturação; (ii) O não cumprimento de uma prestação permite que o credor declare imediatamente vencidas todas as demais prestações do acordo; e (iii) O descumprimento perante um credor não resulta automaticamente no descumprimento das demais obrigações do acordo de reestruturação.
Importante mencionar, ainda, que em nenhum caso a resolução do acordo, por qualquer das partes, tem efeitos retroativos e a repristinação dos termos originais da obrigação alterada.
Por fim, o acordo constitui titulo executivo entre as partes em relação às obrigações pecuniárias, podendo ser levado à discussão judicial no caso de descumprimento.

III. Conclusão
Em conclusão, o Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE) apresenta uma série de benefícios significativos para as empresas que enfrentam dificuldades financeiras. Ao oferecer um procedimento extrajudicial, voluntário e confidencial, o RERE permite que as empresas busquem soluções de reestruturação de dívidas de forma mais flexível e menos onerosa do que os processos tradicionais.
Um dos principais benefícios do RERE é a possibilidade de a empresa continuar suas atividades econômicas durante o processo de negociação com os credores. Isso evita a paralisação das operações, preserva o valor do negócio e protege os empregos associados. Ao promover a manutenção da atividade empresarial, o RERE contribui para a estabilidade econômica e social, tanto a nível da empresa em questão quanto do ambiente econômico mais amplo.
Além disso, o RERE oferece uma abordagem baseada na negociação e cooperação entre a empresa e seus credores. Essa dinâmica permite que as partes envolvidas busquem soluções mutuamente satisfatórias, levando em consideração os interesses de todos os envolvidos. Essa abordagem colaborativa promove a celeridade do processo, pois evita litígios prolongados nos tribunais e incentiva a busca de consenso e acordo.
Outro benefício do RERE é a confidencialidade do processo. O caráter sigiloso das negociações proporciona às empresas um ambiente propício para discutir suas dificuldades financeiras com os credores sem expor publicamente sua situação. Isso pode ser importante para a preservação da imagem e reputação da empresa, bem como para manter a confiança dos clientes, fornecedores e outros parceiros comerciais.
Adicionalmente, o RERE permite uma maior flexibilidade na definição dos termos de reestruturação da dívida. As partes envolvidas têm a liberdade de negociar e ajustar os termos e condições do acordo de recuperação, adaptando-os às necessidades específicas da empresa. Isso proporciona uma solução mais personalizada e adaptada à realidade financeira da empresa em questão.
Em suma, o Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE) em Portugal oferece uma alternativa viável e eficaz para empresas em dificuldades financeiras. Ao promover a negociação, a continuidade das atividades econômicas, a confidencialidade e a flexibilidade, o RERE busca preservar o valor das empresas, proteger empregos e fomentar a recuperação econômica.

Referências
Lei nº 8/2018, de 2 de março (https://dre.pt/dre/detalhe/lei/8-2018-114796179);
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março)
Guia Prático do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas – RERE – IAPMEI (https://www.iapmei.pt/PRODUTOS-E-SERVICOS/Revitalizacao-Transmissao/Revitalizacao-Empresarial/DOCS/GuiaRERE.aspx)
Slides da aula ministrada no âmbito da PG – Recuperação preventiva e sustentabilidade das empresas

Por Anna Maria Harger Pizani